terça-feira, 29 de junho de 2010

REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE

“ Om purnam adah, purnam idam
Purnat purnam udacyate
Purnasya purnam adhaya
Purnam evavashishyate”
“Isto é Uno (Perfeito, Total, Pleno), aquilo é Uno
Do Uno só sai o Uno
Ao se separar uma parte do Uno
É Uno o que se tira e Uno o que resta “
(Isha Upanishad, escritura hindu)

O que é a Realidade ?

Os hindus e chineses dão a dica quando estabeleceram o milenar conceito filosófico/dialético do Absoluto X Relativo.

Os chineses chamaram o Absoluto de Tao e o Relativo de Yin e Yang.

Os hindus chamaram o Absoluto de Brahman (e Purusha) e o Relativo de Maya (e Prakriti).

O Absoluto é a Consciência Eterna, Incriada, Transcedental, não dual e permanente. Os hindus dizem que Brahman é Satchidananda (Consciência, Eternidade e Bem-Aventurança).

O Relativo é a dualidade, a impermanência, a identificação da mente/ego com a parte ao invés do Todo.

Isto expressa a idéia fundamental de que nos relacionamos simultâneamente com 2 realidades :

- a realidade que construímos com toda a nossa bagagem kármica, genética, cultural, educacional, crenças e registros do passado. É a auto-imagem (“quem eu acredito que sou”) e a visão de mundo
que cada um constrói e mantém.

- e a Realidade que existe por Si, independente das infinitas realidades relativas construídas por cada um. Ela não é a soma das realidades relativas. Ela é simultâneamente imanente e transcendente a elas. A Realidade é a própria Consciência (que as religiões chamam de Deus).

Para o hindu, estar na Sombra ou na Luz, na ignorância ou na Sabedoria, na diversidade ou na Unidade, é só uma questão de perspectiva, de “ótica“. Daí as escolas filosóficas hindus se chamarem Darshanas, cuja tradução é “pontos de vista” (acerca da Realidade).

Exatamente como ocorreu na história dos pais da Física Quântica quando perceberam que as porções sub-atômicas da matéria se comportavam como partícula ou como onda de acordo com a perspectiva do observador – olhou é partícula, não olhou é onda.

Isto é, “olhar” é ver a Realidade Una (onda) através da lente da visão de mundo construída por nós com nosso complexo mente/ego/5 sentidos e seus conceitos, padrões e crenças (partícula).

O Santo, o Iluminado, é aquele que vê as partículas através da perspectiva da onda. Enquanto nós ainda estamos vendo as partículas, da perspectiva da partícula.

No âmbito da vida humana estas perspectivas absoluta e relativa também se expressam na forma da nossa simultânea singularidade (somos completamente diferentes uns dos outros. Não há quem tenha o mesmo rosto, nem a mesma impressão digital) e universalidade (somos todos o mesmo Ser).

A tradução correta para a palavra hindu Maya (que é incorretamente traduzida como ilusão), é “é / não é”, ou seja, esta existência, fragmentada e cindida (nos sentimos separados uns dos outros, da Natureza e de Deus), que acessamos com nossos 5 sentidos e com nossa mente racional, simultânemente existe e não existe

Sob a perspectiva da relatividade - da visão dual da Vida, da identificação da mente/ego com a realidade fragmentada e mutante das três dimensões e do tempo/espaço - esta realidade concreta e dual óbviamente existe, com sua inerente impermanência.

Mas sob a perspectiva da Unidade, da Realidade Absoluta - eterna, não-dual e permanente - esta vida ilusóriamente dual não existe.

Afinal, tudo o que é impermanente não pode ter existência real.

E o que é efetivamente e verdadeiramente Real é a Consciência/Amor imanente e transcendente à Criação.

Buddha foi chamado de ateu porque jamais falou em Deus e em alma. Ele dizia que o homem é um agregado de ego e mente que constantemente geram karma, fomentando assim a reencarnação (samsara).

Levei muito tempo para finalmente “pescar” o insight de que realmente a Consciência não pode ser partida.

Nós não temos uma “parte” do Todo. Deus não fica tirando pedaços de Si e colocando em cada corpo humano que Ele cria.

Claro, a Consciência, a Alma (atma, como chamam os hindus), é uma só para toda a Criação. Todos compartilham a mesma Consciência.

Por isso se fala modernamente que o Universo é holográfico (da mesma forma que já se sabe que o cérebro humano funciona holográficamente, não analógicamente), pois cada “parte” sua, contém a totalidade.