quarta-feira, 12 de maio de 2010

ORTODOXOS E HETERODOXOS

ORTODOXOS e HETERODOXOS
Compatibilizando os aparentes opostos

Ao longo da história da Humanidade, mais especificamente no que se refere ao desenvolvimento e desdobramento do Conhecimento no planeta (e isso acontece, por exemplo, no âmbito da Ciência, das Religiões, da Filosofia e da Psicologia), parece que duas correntes de pontos de vista diametralmente opostos caminham lado a lado, paralelamente, ao longo das eras. Vou chamar uma destas correntes de “ortodoxia” e a outra de “heterodoxia”.
O ortodoxo, neste caso, é aquele que segue uma determinada linha, uma única Escola ou uma Tradição específica. É o guardião de uma versão, um ponto de vista – religioso ou filosófico - específico sobre Deus, sobre o homem e/ou sobre a Vida e seu funcionamento.
A função do ortodoxo é manter a tradição, a essência do Conhecimento, viva e protegida. Zelar pela manutenção da pureza e da originalidade do Conhecimento que é o seu patrimônio cultural, científico ou espiritual.
O heterodoxo é aquele que não necessariamente pertence especificamente a alguma Tradição ou Escola (mas que também pode pertencer ou ser simpatizante de várias), e é quem integra caminhos e faz pontes entre Tradições (são inumeráveis as conexões possíveis entre as Religiões, ou por exemplo, entre a Física Quântica, os Conhecimentos Oriental e Xamânico e a Psicologia).
Uma das características da heterodoxia é fazer releituras, adaptações, reformas. Pode-se até ser um heterodoxo dentro da ortodoxia como, por exemplo, de uma certa forma o foram São Francisco de Assis e Santa Teresa D’Ávila no Catolicismo...
A função do heterodoxo é atualizar, reciclar, reformar, re-significar, reler, reinterpretar, adaptar e re-integrar. A atitude do heterodoxo é geralmente eclética (e muitas vezes sincrética), não-dogmática, não-sectária e ecumênica.
É como um corpo que se movimenta dinamicamente em torno de um eixo firme.
Isto acontece, por exemplo, na India, no caso dos Vedas, que é a espinha dorsal do que se convencionou chamar de Hinduísmo (palavra que na versão “hindu” se chama Sanathana Dharma, a Religião Eterna). E em torno dos Vedas orbitam centenas, milhares de linhas, filosofias, seitas, escolas, etc. muitas delas diametralmente antagônicas em sua teologia, mitologia, filosofia, cultos, etc. e que se degladiam há milênios em complexas especulações filosóficas, todas apoiadas por milenares escrituras, mas simultâneamente todas elas unidas em torno do eixo central que são os Vedas.
Se houvesse apenas a ortodoxia, o Conhecimento se enrijeceria, congelaria, não se reciclaria e assim, não conseguiria atravessar os milênios de mudanças incessantes. E se houvesse apenas a heterodoxia, o Conhecimento também não atravessaria as eras, pois sem um “espírito da coisa” bem estruturado como centro e eixo de um processo de crescimento, não haveria nem o que ser reciclado. Não haveria substância.
Já que falei dos Vedas, é bom lembrar que o corpo central destas escrituras se divide em duas partes: uma, o Shruti, que são as escrituras reveladas, canalizadas, essência central, nuclear e imutável de todo o Hinduísmo. É a parte mais ortodoxa dos Vedas.
A outra, o Smriti, que são as escrituras comentadas, que se por um lado, em função da sua antiguidade, também são consideradas ortodoxas, tiveram a tarefa de reler, interpretar e atualizar o Conhecimento.
Todo o Yoga que se pratica hoje no ocidente é fruto de uma atitude heterodoxa de alguns Mestres de Hatha Yoga nos séculos 19 e 20, que atualizaram e adaptaram antigos conhecimentos de Hatha Yoga, Raja Yoga e Tantra Yoga, e que era destinado aos monges e ascetas. De repente milhares de ocidentais começaram a afluir aos Ashrams na Índia e o Hatha Yoga, que originalmente era ensinado por um Guru à poucos discípulos na floresta ou nas montanhas, teve que ser adaptado para este sistema que conhecemos, em academias e com turmas com horários.
E essa é a grande beleza do funcionamento disso tudo: um não pode prescindir do outro, são totalmente complementares, embora muitas vezes pensem que são antagônicos.
Até porque, o heterodoxo de hoje é o ortodoxo de amanhã (que será devidamente reatualizado pelos heterodoxos de então...), e é assim que o Conhecimento caminha através dos tempos.
Mas o fato é que a convivência destas duas vias de ser e de pensar nem sempre (quase nunca) foi harmônica.
Normalmente os ortodoxos têm uma tendência a se referir aos heterodoxos como irresponsáveis e levianos que fazem uma salada (ou uma “mistureba”) de caminhos e tendências, inventando coisas, fazendo “samba do crioulo doido”, “viagem na maionese”, etc...
E os heterodoxos, por sua vez, tendem a se referir aos ortodoxos como conservadores, intolerantes e radicais (e eventualmente fanáticos).
Obviamente que nem todo heterodoxo é picareta, e nem todo ortodoxo é xiita. Em nome da ortodoxia e da heterodoxia já se fizeram muitas maravilhas e também muitos absurdos.
O rabino Nilton Bonder se refere aos heterodoxos, em seu excelente livro “A alma imoral”, como aqueles que “traem” e transgridem as regras estabelecidas. Se as regras e conceitos não fossem transgredidos, e assim, repensados e atualizados, não sobreviveriam a incessante mudança dos tempos.
Vivemos tempos onde outras culturas entraram e têm entrado profundamente em nossa cultura. Assim foi com as culturas chinesa e a indiana a partir dos anos 60, e agora com as tradições xamânicas e nativas.
Uma atitude ortodoxa é muito necessária para resgatar e manter culturas e conhecimentos muitas vezes quase extintos.
Mas mais do que nunca o planeta pede também uma atitude heterodoxa. Afinal, mesmo trilhando-se um só caminho, pode-se considerar que o do outro também é bom e verdadeiro.
Pode-se ser ortodoxo sem ser necessariamente o “dono da verdade”. O problema é quando a minha versão de Deus e da Vida começa ser a única verdadeira e a melhor para todo mundo ou quando considero a minha certa e as outras erradas.
Nós vivemos em uma situação de hiper-ortodoxia mundial. Vejam, por exemplo, todas as guerras e problemas de ordem religiosa. Vejam a medicina oficial, que não procura integrar outras terapias, aceitar paradigmas e parâmetros técnicos e filosóficos de outras culturas e épocas – que privilegiam, por exemplo, a prevenção das doenças e a reeducação da população. Uma atitude mais heterodoxa neste caso beneficiaria a própria medicina, em sua essência mais ampla, mas parece que a postura ortodoxa, no caso, prefere investir na cura das doenças, atividade muito mais lucrativa, claro.
Por isso vivemos a cultura da doença, e não da saúde, pois saúde não dá dinheiro, e as transnacionais dominam uma ideologia alopática, sintomática e reducionista de se lidar com saúde e com doença. Daí as intransigências, as interdições, as “caça às bruxas” que constantemente vemos acontecer com relação às práticas “não oficiais”.
O planeta precisa de uma atitude holística, animista e integrativa. E isso pode acontecer quando, primeiro as ortodoxias entre si, e depois a(s) ortodoxia(s) e a(s) heterodoxia(s), deixarem de se considerar antagônicas para operarem como complementares. Em outras palavras, quando deixarem de lutar por suas diferenças e passarem a compartilhar seus pontos em comum.

Um comentário:

  1. Hola me interesa mucho el tema puedo encontrar algo en Español? soy Mexicano puedo encontrar esta terapia en México. Gracias mi correo electronico es nazario500@hotmail.com.
    Saludos.

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