quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Visão Hindú sobre a estruturação do psiquismo

A VISÃO HINDÚ SOBRE A ESTRUTURAÇÃO DO PSIQUISMO


“Quem sou eu ?” é, sem dúvida, a pergunta mais importante do universo humano.
E é claro, “De onde vim e para onde vou ?”, “Quem é Deus ?”, e tantas outras perguntas do mesmo teor, vem na seqüência.
E em toda a história da Humanidade, o homem mergulhou intensamente na busca desta resposta.

Para tanto, criou inúmeras religiões, filosofias, mitologias, ciências e psicologias, sempre na ânsia ancestral e atávica, de desvendar aquilo que os índios norte-americanos chamam de “O Grande Mistério”.

A idéia central das culturas orientais e xamânicas – a Unidade – traz o conceito de que tudo é Um, de que o Universo é um único organismo, consciente e totalmente interligado e interagente, e que toda a percepção e sensação de separatividade é uma ilusão (Maya).

Os hindus chegam a dizer que a única doença de que nós realmente sofremos – todas as outras (físicas e psíquicas) são um desdobramento desta – é Avidya, a ignorância da nossa natureza real, a Unidade.

E é assim que nós nos sentimos : totalmente cindidos, fragmentados. Tanto externamente – nos sentimos separados de cada semelhante, da Natureza e do que acreditamos que seja Deus ; quanto internamente – corpo, cabeça e coração raramente estão em equilíbrio.

Na tarefa humana de caminhar para a Luz, em primeiro lugar é importante perceber que quando trabalhamos conosco no auto-conhecimento ou com outra pessoa (se formos terapeutas), estamos fundamentalmente lidando com duas instâncias altamente relevantes da personalidade - a auto-imagem e a persona – que são construções psico-emocionais limitadoras paradoxalmente desenvolvidas por nós - inconscientemente, na maior parte do tempo - para nos proteger.

A auto-imagem é “quem eu acredito que eu sou”. É o sistema de crenças que nós construímos em função das nossas experiências dolorosas e sofridas (e claro, das positivas e interessantes também), e que nos dão uma imagem e uma perspectiva geralmente distorcida de nós mesmos, e que na maior parte das vezes nós sentimos como sendo algo limitador e desfavorável, ou ao contrário (mas pela mesma razão), o ego infla e a pessoa se sente exageradamente o máximo, para não entrar em contato com suas dores.

A persona é “quem eu quero que acreditem que eu sou”. São as nossas máscaras e papéis sociais (o filho, o pai, o profissional, o cidadão, o marido, etc.etc.) que funcionam em parceria com a auto-imagem, e que procuram compensar esta, quando ela é desconfortável e parece ser desfavorável.

E a auto-imagem e a persona são competente e eficientemente fomentadas, mantidas e monitoradas pelo complexo ego/mente racional.

A auto-imagem e a persona são componentes importantíssimos na construção da nossa visão de mundo, a chamada “Realidade” (que é o que nós acreditamos que a vida é).

Outro movimento do psiquismo - que foi percebido por S. Freud bem no inicio da estruturação da Psicanálise - são as pulsões da busca do prazer e da evitação da dor. E todo o complexo psico-emocional trabalha neste sentido : o de nos manter afastados do contato com a dor.

Na infância, quando passamos por experiências traumáticas , estas impressões (o que sentimos com o que supomos que aconteceu) são “escondidas” no inconsciente. Freud chamou a isto de recalque. A intenção é que não tenhamos que estar sempre entrando em contato com nossas dores (ou do que o inconsciente acredita serem dores), pois seria insuportável viver assim, lembrando o tempo todo de tudo o que de ruim e sofrido nos aconteceu.

O problema é que estas dores continuam vivas no inconsciente, produzindo ao longo do tempo um sistema de crenças e padrões que irá contribuir decisivamente na formação do caráter e da personalidade, e também na somatização de doenças físicas, psico-emocionais e/ou sociais.

Ou seja, paradoxalmente , o mesmo procedimento interno que trabalha para nos proteger, nos limita e nos sabota, como um eterno exercício de obstáculo X superação e crescimento.

Vamos agora deixar a Psicologia Hindu dar um subsídio filosófico e psicológico :

Em primeiro lugar, se tanto as Tradições orientais quanto as xamânicas dizem que somos seres multidimensionais / holográficos, isto quer dizer que existimos simultaneamente em infinitos níveis, certo ?

Na Filosofia Hindu, temos duas formas de codificar as multi-dimensões do ser humano : uma trina - os Shariras, ou corpos - mais usada pelo Yoga, e outra quíntupla - os Koshas, ou envoltórios - mais usada pela Vedanta. São apenas divisões de caráter didático, já que estas dimensões não são tridimensionais, são holográficas, e estão todas simultâneamente se interpenetrando (assim como acontece com os Chakras).

Os Shariras ou corpos, são 3 : o Sthula Sharira ou corpo denso (o corpo físico), o Sukshma Sharira ou corpo sutil (o corpo de energia, o corpo emocional e o corpo mental) e Karana Sharira ou corpo causal.

É no Sukshma Sharira onde operam a Homeopatia, a Acupuntura, Reiki, Cura Prânica, Aromaterapia, Cristais, Cromoterapia, etc, para curar o Shtula Sharira.

Karana Sharira se chama corpo causal, porque é nesse nível onde se localiza a causa da ignorância primordial (Avidya). Mas é também neste nível que se localiza a Testemunha , a perspectiva interna neutra e observadora buscada na Meditação. É a “Visão da Águia” dos xamãs e é onde acontecem as canalizações e as conexões mediúnicas e sensitivas. E este também é o nível que faz a “interface” do estado de consciência separada com o estado da Unidade Absoluta ( Nirvana, Samadhi, Moksha, Kaivalya, Satori).

Os Koshas, são chamados de envoltórios (ou bainhas), porque são as camadas que ilusóriamente prendem e condicionam o Espírito (Atma). São 5 :
- Annamaya Kosha, ou corpo físico
- Pranamaya Kosha, o corpo de energia (que os ocultistas chamam de Duplo-etérico e os espíritas de Perispírito) . Neste nível circulam as Pranavaha Nadis (condutos energéticos que transportam os Pranas)
- Manomaya Kosha, o corpo psico-emocional. Neste nível circulam as Manovaha Nadis (condutos de energia que transportam Ojas, a energia mental. Ojas é a quintessência energética extraída dos alimentos pelos Dhatus – os 7 tecidos corporais)
- Vijñanamaya Kosha, o corpo psíquico
- Anandamaya Kosha, o corpo psico-espiritual.

Vijñanamaya Kosha é onde opera o discernimento, a capacidade de se escolher e discriminar entre o que é real ou irreal.

Assim como o Karana Sharira, Anandamaya Kosha é o portal, a interface para o estado da Consciência da Unidade.

O Sthula Sharira (bem como sua correspondente Annamaya Kosha) está relacionado a Guna Tamas ; o Sukshma Sharira (Prananamaya, Mano Maya e Vijñanamaya Kosha) está relacionado a Guna Rajas; e Karana Sharira (Anandamaya Kosha) a Guna Sattwa.

O complexo psíquico (que os hindus chamam de Antahkarana, ou órgão interno) é formado por :


- Buddhi. É a parte mais elevada do complexo psíquico. Num primeiro nível, Buddhi trabalha com o discernimento, as escolhas e as opções. Desde as escolhas inconscientes - como, por exemplo, as que faz o nosso sistema nervoso autônomo - passando pelas opções e escolhas conscientes do dia-a-dia, até a mais elevada das formas de discernimento que é o questionamento sobre o que é real e o que é irreal na existência ( que é o que os hindus chamam de Viveka). Em um nível mais elevado de atuação, Buddhi é a Mente Testemunha (a “Visão da Águia” dos xamãs), o nível da Meditação e da neutralidade, onde há observação equânime, sem julgamento.
Abarca também o Inconsciente.
Buddhi é quem sedia e administra os Samskaras - os registros e impressões psico-emocionais, que vão gerar os Vasanas (tendências e padrões).
O Buddhi atua no nível de Karana Sharira (e Vijñanamaya Kosha).

- Manas é a mente pensadora. Administra os estímulos que vem através da aferência dos sentidos (Jñana Indriyas) e da atividade da memória (Chitta , conteúdos do consciente e do inconsciente), administra as escolhas e opções de Buddhi, e produz os Vrittis (pensamentos, movimentos mentais, mente racional) e as respostas psico-motoras (Vasanas) através dos Karma Indriyas (órgãos de ação).

- Ahamkara, o ego. Trabalha em parceria com Manas na função de se manter a identificação da Consciência Una com o estado ilusório de separatividade (Maya). Os sentidos, o ego e a mente racional mantém a Consciência ilusoriamente identificada com a personalidade e com as Gunas (os movimentos impermanentes da Natureza).

E como este Anthakarana trabalha ?

Quando os nossos sentidos apreendem algum objeto, informação ou estímulo, dois mecanismos disparam automaticamente : o corpo mental associa ao elemento percebido um nome (Nama) e uma forma (Rupa) e o corpo emocional avalia se aquele determinado elemento me atrai (Raga) ou se eu o rejeito (Dwesha) – bem no estilo das pulsões “busca do prazer / evitação da dor” freudianas.

Em outras palavras os sentidos captam, a mente e o emocional enquadram e classificam e o ego identifica com eu/meu.

Assim enquadramos toda a Realidade Una em pequenas unidades ilusoriamente separadas, mantemos a ignorância da nossa Natureza Real, e ficamos vivendo aprisionados em uma realidade limitante construída por nós mesmos.

Se o estímulo ou informação que recebemos através dos sentidos (Jñana Indriyas) é alguma coisa muito forte e traumatizante, ou se por outro lado, são estímulos ou informações que se repetem com periodicidade, isto vai imprimir Samskaras (impressões psico-emocionais) no inconsciente, que vão por sua vez, produzir Vasanas (crenças, hábitos, tendências e padrões) e , juntamente com Citta (a memória) produzir os Vrittis (movimentos da mente, pensamentos, atividade racional).

Algumas imagens para exemplificar :

1. Imagine que o seu complexo psíquico é um lago : o reservatório em si, é a mente (Manas) ; o conteúdo – a água – é Chitta, a memória consciente e inconsciente ; o fundo do lago é o Ser, a Unidade coberta pela “poeira” de Chitta que forma “bancos de areia” (Samskaras) em função dos movimentos internos e da superfície (Vrittis) ; por sua vez, os movimentos ondulatórios da superfície são os Vrittis (pensamentos, atividade racional) e Vasanas (tendências) cujos padrões são produzidos pelo perfil topográfico do fundo (Samskaras).
Quanto mais nivelado e liso estiver o fundo, mais tranqüilas serão as águas da superfície.

2. Uma carruagem : Buddhi é o condutor, Manas são as rédeas, Ahamkara é a carruagem e os cavalos são os sentidos (Indriyas).

3. Estou em um campo e de repente vejo um touro enfurecido correndo em minha direção : os Jñana Indriyas captam a imagem , Manas processa a informação (“vendo um touro correndo”), Ahamkara identifica com o eu (“eu estou vendo um touro correndo”) , Buddhi faz as escolhas (“eu estou vendo um touro correndo e furioso, e vai me pegar. Tenho que correr”), e os Karma Indriyas executam a ação de fugir.


Bem, é claro que este processo, como todos os processos de auto-conhecimento e crescimento, deve ser acompanhado da fundamental fórmula : conscientizar  aceitar  transformar e integrar.

Sem a consciência e a aceitação dos nossos padrões e movimentos internos limitadores (ou da sombra, como bem denominou C.G.Jung) não podemos nos transformar e melhorar.

Mas a conscientização da sombra sem a sua aceitação com compreensão, neutralidade e compaixão, também não leva ao crescimento. Pode talvez levar à depressão.

Isto acontece também porque estamos terrivelmente infectados por um veneno criado pelo homem que é a culpa.

A culpa foi fomentada por algumas religiões com a exclusiva finalidade de manter a auto-estima pessoal baixa para assim poder-se dominar e manipular mais facilmente as pessoas.

Para respaldar a culpa inculcou-se a idéia de que somos pecadores congênitos, e que só teremos nossa salvação se nos submetermos a um Deus que nos julgará e que vive em um paraíso distante distribuindo castigos e recompensas. Isso tudo poluiu terrivelmente o saudável processo da evolução psico-emocional / espiritual humana, especialmente da cultura ocidental.

Junto com a aceitação de nossa sombra (que é apenas a ilusória – e temporária - ausência da Luz), precisamos também aceitar e resgatar nossa natureza divina e perfeita, e aceitar o fato de que nossa sombra é apenas a ignorância de nossa natureza real – a Unidade.

A sombra é o material de que dispomos para trabalhar nosso crescimento, são os exercícios, obstáculos, provas e testes que aceitamos trabalhar para evoluir.

É absolutamente necessário que substituamos a culpa pela responsabilidade. Não somos passivas marionetes do Universo. Somos seus co-criadores ativos.

Não existe necessáriamente nenhum Deus em guerra constante contra o Mal.

O chamado “mal” são os obstáculos, testes, dificuldades, exercícios, conflitos e confrontos que temos que lidar em nossa caminhada de crescimento.

Ou seja, a função do mal não é vencer o Bem, é se transformar em Bem. Assim como a função da sombra não é apagar a Luz, é se transformar em Luz.

Na Mitologia Hindú esta visão fica bem clara, ao colocar os demônios (Asuras) como devotos de Deus (Shiva) que eram geralmente Saddhus ou monjes que por alguma razão foram tranformados em demônios para cumprirem alguma função. E aí eles tem que ser mortos e liberados por Deus (Vishnu) para voltarem à sua condição de Santos e Sábios.

A vida que vivemos, o que somos e o que nos acontece é fruto 100% das nossas escolhas e opções – conscientes ou inconscientes, feitas nesta ou em outra(s) vida(s). E isto é a grande maravilha da vida, pois nos confere o poder de nos responsabilizarmos totalmente por nós mesmos e transformar totalmente nossa existência em qualquer tempo.

O fato de que o Universo é um único Ser totalmente integrado como uma grande teia holográfica, onde cada componente funciona como um ímã atraindo e repelindo energia, coisas, pessoas e situações – tudo devidamente gerenciado pelas leis do Karma, da Sincronicidade e da Ressonância – faz com que estejamos constantemente atraindo as coisas, pessoas e situações necessárias para nosso aprendizado e evolução. Esta é a forma que a Vida utiliza para nos ensinar.

Isto, além de demonstrar o funcionamento da fantástica Inteligência Universal, anula completamente qualquer possibilidade de culpas, castigos divinos, azar e vitimismos.

Então, a grande pergunta que devemos estar sempre nos fazendo cada vez que algo ou alguém desagradável cruza nosso caminho é : o que eu tenho que aprender com isso ? Porque eu atraí esta pessoa ou situação ?

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